Sucessão familiar é um dos grandes desafios da atividade pesqueira
25/09/2025 | Assessoria de Comunicação – Epagri/SC | Renata Rosa
Foto: Renata Rosa/Epagri-SC
A pesca é uma atividade tão antiga quanto o próprio ser humano, que passou a evoluir a partir do momento que descobriu que podia assar a caça e cozinhar os frutos da terra. Mas a atividade sofreu mudanças drásticas no século 20, quando a pesca industrial se intensificou, afetando o estoque de algumas espécies e levando outras à beira da extinção. Isso forçou os governos a investir em pesquisa para manter a atividade sustentável, sem deixar de lado os trabalhadores, que estão há gerações tirando o sustento do mar.
Para manter a pesca relevante e renovada, como outras cadeias produtivas do Estado, a Epagri oferece, desde 2015, o curso “Jovens do Mar”, com foco em gestão, liderança e empreendedorismo. Em Itajaí, a edição 2025 da capacitação começou no dia 16 de setembro, no Centro de Treinamento (Cetrei), com palestras dos oceanógrafos Roberto Wahrlich (Univali) e Janaina Bannwart (IFSC) e o depoimento da egressa do curso da Epagri de 2016, Adriana Furtado, atual vereadora do município de Balneário Piçarras.
“Quando eu fiz o curso era só eu de mulher e outra menina, hoje vejo que a participação feminina aumentou e isso me deixa feliz porque, apesar de poucas mulheres saírem para pescar, são elas que fazem a gestão quando o pescado chega, sem descuidar da alimentação da família”, pontua. Este ano, quatro garotas se inscreveram no curso que oferece hospedagem, alimentação e capacitação gratuita a jovens entre 16 e 29 anos.
Nesta edição, 15 participantes de Navegantes, Penha, Balneário Camboriú e Bombinhas começaram a jornada, que só termina em novembro, com a apresentação de um plano de negócio para implementar em seu município. Um empreendimento que visa aprimorar e impulsionar a atividade, além de atender aos desafios contemporâneos que não são poucos, como lidar com as consequências das mudanças climáticas e atender a um mercado consumidor cada vez mais exigente e preocupado com sustentabilidade.
Dinâmica de grupo provoca os participantes a pensarem de forma coletiva
Na parte da manhã, os jovens tiveram uma visão geral da pesca artesanal marinha em Santa Catarina, as definições legais, as diferenças entre pesca artesanal e industrial, os peixes mais pescados e como funciona cada setor da cadeia produtiva (captura, descarga, transporte, varejo e indústria). Segundo Roberto Wahrlich, a pesca é equiparada à atividade agrícola desde a Constituição de 1988, mas carece de políticas públicas por causa de questões culturais e falta de representatividade em instâncias de poder.
“Durante muito tempo, ficamos de costas para o mar. As casas ribeirinhas eram construídas com o mar nos fundos, onde se depositava todo tipo de rejeito, só nas últimas décadas se passou a ter uma outra visão sobre o mar e a atividade extrativista, que precisou ser regulamentada já que se trata de um bem público”, destacou.
Já a professora Janaína, que se especializou em recursos e gestão pesqueira, começou a palestra fazendo uma dinâmica de grupo utilizando feijões no lugar dos pescados, em pratos espalhados pela sala, para que os participantes decidissem as regras para pescar naquelas áreas. Além de ‘quebrar o gelo’, a atividade permitiu aos participantes terem noção da importância das normas ambientais e a necessidade de pensar de forma coletiva para que a atividade continue sendo fonte de renda para as futuras gerações.
Jovens do Mar foi um divisor de águas na vida de Adriana
Quando chegou sua vez de falar, a egressa Adriana Furtado provocou a turma a sair da zona de conforto e atuar de forma mais assertiva na defesa dos trabalhadores da pesca em seus municípios. Ela conta que, em 2016, ficava se escondendo no fundo da sala e só abria a boca para reclamar da colônia de pescadores e do governo. Ao final da jornada, não só implementou seu plano de negócio para modernizar a embarcação, como se tornou a primeira presidenta da colônia, projeção que a alçou ao cargo de vereadora nas últimas eleições.
Adriana fez o curso da Epagri em 2016 e hoje é vereadora em Bal. Piçarras (Foto: Renata Rosa / Epagri)
“Não adianta reclamar, temos que tomar as rédeas da atividade porque os pescadores mais velhos, a maioria na colônia, não vão mudar o jeito de pensar. Precisamos de renovação e sem um dos nossos atuando junto ao poder público, não vamos avançar”, acredita. Adriana atuou para que a prefeitura de Balneário Piçarras investisse R$1 milhão na construção de um galpão público para a comunidade pesqueira e luta pela inclusão do pescado na merenda escolar.
Uma ideia trazida pela vereadora foi a diversificação da atividade durante o período de pouca ou nenhuma produção, durante o defeso de algumas espécies. “Quantas pessoas da cidade, que vêm ao nosso litoral de férias, não gostariam de ter um dia conhecendo a nossa atividade? Não seria uma forma de aumentar o rendimento sem custo algum?”, provocou.
Amigos de Navegantes querem realizar o sonho do barco próprio
A sugestão de Adriana vem ao encontro do desejo de Augusto Pinto Costa, 27, que veio do Pará há seis anos e vive da pesca em Navegantes. Ele acredita que pode utilizar sua experiência com pesca em rio e mar, que aprendeu com a mãe, para oferecer aos turistas uma vivência que para ele é rotina, mas é novidade para quem vive na cidade. “Eu não quero ficar dependente só do peixe, quero investir no turismo porque Navegantes cresceu muito, tem muita gente vindo pra cá que nunca viu uma rede de pesca”, aposta.
Augusto conta que no Pará costumava pescar o gigante da Amazônia, o pirarucu, que tem mais de 100kg, e depende da força de três homens para içar. Em Navegantes, ele cata siris e captura outros tipos de peixes, que são novidade para os conterrâneos que vieram morar no litoral norte catarinense. “Eu tenho um grupo com 200 pessoas no whatsapp para vender e ensinar como preparar o peixe daqui. A gente nunca tinha visto uma corvina”, revela.
Nanam (na frente) é a sétima geração de pescadores do bairro São Pedro, em Navegantes (Foto: arquivo pessoal)
Ele trabalha com Alexandre Machado, 32, no barco do tio de Nanam de Melo Souza, 34, que estava comemorando o aniversário no primeiro dia do curso da Epagri. O trio foi incentivado pelo extensionista Alan Rotta para começar a construir o projeto do barco próprio e não mais depender de patrão. Nanam é a sétima geração de pescadores do bairro São Pedro, que fica na beira do rio Itajaí-Açu, onde a arte da pesca e construção de barcos de madeira se tornou patrimônio cultural da cidade (Carpintaria da Ribeira).
Ingrid se tornou pescadora após conhecer a realidade da atividade em Balneário Camboriú
Entre as quatro mulheres inscritas do curso está Ingrid dos Santos, 28. Ela é bióloga de formação, mas mudou radicalmente sua visão sobre a pesca após acompanhar a lida diária dos pescadores da Praia Central, em Balneário Camboriú. “Como meu pai era marinheiro de um barco do ICMBio, fui criada prezando pela questão ambiental e via nos pescadores os malvados que matavam os animais. Eu adoro a pesquisa, mas agora quero me dedicar à pesca para ajudar os pescadores a ganhar conhecimento e qualidade de vida”, afirmou.
Ingrid disse que “virou a chave” em 2018, quando estava na faculdade, e começou a receber vídeos de pescadores soltando as arraias que vinham na rede, justamente a espécie que se tornaria seu objeto de pesquisa, junto com os tubarões. A partir daí passou a acompanhar o arrasto na praia, conhecida pelos arranha-céus, mas que ainda guarda um pouco da tradição artesanal em três ranchos na Barra Sul.
“No começo, eles não me tratavam muito bem, eu demorei a conquistar a confiança deles, mas como eu ia todo dia, eles viram que eu não ia desistir. Aos poucos, começaram a me ensinar as coisas da pesca, como puxar a rede e treinar a visão para identificar cardumes”.
Ingrid tirou carteira de pescadora artesanal após a formação em biologia (Foto: arquivo pessoal)
A relação se aprofundou quando, em plena pandemia, ela ajudou os pescadores a passar por aquele momento difícil, de pouco peixe e pouco turista. “Eu ficava com eles das 7h às 22h soltando as arraias, empurrando a canoa pra água e puxando de volta. Vi o sofrimento quando não vinha quase nenhum peixe, as condições climáticas horríveis. Tinha dia que voltavam pra casa com 15, 20 reais. Como iam sustentar a família?”, questiona.
A ideia de Ingrid é unir seus conhecimentos acadêmicos com a pesca e introduzir o turismo comunitário, inspirada no modelo de um biólogo que conheceu em Santos, quando foi fazer mestrado. “Ele tinha um projeto em parceria com os pescadores e o SESC de Bertioga, para os turistas terem a experiência de um dia de arrasto de praia, onde os pescadores ensinavam sobre as embarcações, redes, espécies, e o biólogo sobre as pesquisas que desenvolveram juntos, como o monitoramento e a soltura de arraias. Por fim, os turistas ajudavam a puxar a rede, limpavam e preparavam os peixes que ajudavam a pescar”.